O mosquito 

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Quando eu era criança havia uma bomba flitz em casa. Não sei que nome é esse, Flitz. Não sei se é o nome de alguém, o possível inventor daquela máquina manual de expelir, em forma de spray, o líquido colocado no compartimento da frente, um tambor.

O líquido em questão era inseticida. Era comprado em lata de meio litro e colocado no tambor da bomba flitz. Não sei em quanto tempo acabava aquele inseticida. 

Havia um ritual em casa. No lusco-fusco de fim de tarde minha mãe direcionava o jato da bomba flitz pra cima e deixava aquela nuvem de inseticida cair. As portas eramfechadas e, pronto, qualquer inseto indesejado estaria morto. Havia um alerta tão gritante pra ninguém entrar no cômodo com flitz que, penso hoje, não na época, poderia nos matar.

Outra estratégia, mas essa funcionava bem apenas com os siriris, era colocar uma bacia com água embaixo da lâmpada. A água e o brilho da bacia atraiam o siriri mais que a luz da lâmpada e o resultado era uma bacia inundada por este inseto. Lembro de minha mãe dizer que ao perderem a asa, o siriri virava cupim. Esse era um temor real. O chão de casa era de assoalho de madeira e o forro da casa toda, também, de madeira. Há décadas as casas não têm mais nem chão e nem teto de madeira. Mas nos anos 70, cupim era realmente algo temido.

Na primeira casa em que morei, em Campinas, o meu quarto tinha uma janela para o quintal. Um quintal grande tomado pelo mato. Havia um abacateiro gigantesco. Mas nós, moradores daquela república, nunca íamos lá. Apenas sei que aquele ambiente era propício aos insetos. E um pernilongo é capaz de me fazer um estrago, pela picada que coça de maneira a me enlouquecer e deixa um calombo no local da picada, seja pelo barulho. Só de pensar no zunido do pernilongo eu já fico irritado. Eu não sou capaz de dormir com seu barulho. 

A solução seria a bomba flitz, mas não havia em Campinas. Não onde eu procurava, ao menos. Uma espécie de bar do Pedro que tinha na esquina das ruas Balthazar Fernandez com Moreira Cabral. Lá achei a espiral. Se colocaca fogo numa extremidade e ele soltava uma intoxicante fumaça. Aquilo me fechava os brônquios, mas funcionava. 

O parabrisa de qualquer carro, principalmente no fim de tarde, ficava lotado de insetos mortos. Uma melequeira. Apenas água e sabão limpavam aquela gosma. Ao final de qualquer viagem, era necessário lavar o farol dos carros. 

Na rua, embaixo dos postes de iluminação, havia milhares de mariposas. Atraídas pela luz, elas vinham de longe no final da tarde e resistiam até não sei que hora, pois eu ia dormir e nunca soube quando iam embora. Mas me lembro das paredes lotadas de mariposas e das janelas fechadas para não correr o risco delas entrarem em casa.

Morei por mais de uma década numa casa na zona rural. E o que havia ali era uma variedade de insetos, embora para dentro de casa voassem apenas mosquitos, quando se começava a preparar alguma carne na cozinha, e pernilongos. Outros insetos ficavam na luz da lâmpada nas áreas externas. Não há muito o que fazer contra os mosquitos, a não ser limpar tudo imediatamente após o preparo e manter o lixo bem fechado, sem exalar cheiro algum. Nem inseticidas são eficientes contra eles. Ainda bem que funcionam contra pernilongos. 

Onde moro agora, um apartamento no sétimo andar, não havia aparecido um único mosquito. Até domingo. Quando um barulhento, solitário, maior do que o mosquito comum, porém menor do que aqueles verdes, zuniu na sala. Claramente entrou pela janela e por acaso. Tentava sair e batia no vidro. Eu, sentado na poltrona, fechei o livro que lia e o mantive em minha mão como se fosse uma raquete. Então acompanhei o voo do mosquito e esperei ele invadir minha área. Assim que ele se aproximou dei-lhe uma livrada. Fez um som seco. Tum. Um segundo depois, outro tum. O primeiro do livro e o segundo dele se chocando com o vidro da porta da sacada. Ele ficou lá, estático. Nenhuma sujeira e nem um som. 

Então reparei no nome do livro que estou lendo, “Línguas”. Me lembrei de um desenho animado, não do seu nome, onde um camaleão estica a sua língua e come as moscas que alcança. O que impressiona é a precisão do seu ataque. Certeiro e mortal para o mosquito.

Pós escrito

Segundo o buscador Google, uma bomba de Flit é um pulverizador de inseticida manual usado para borrifar FLIT, um inseticida de marca amplamente usado contra moscas e mosquitos entre 1928 e meados da década de 1950. Embora tenha o nome da conhecida marca, “bomba de Flit” tornou-se um nome genérico para esse tipo de dispensador.

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