O “tecno-feudalista” na região

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O biliardário Elon Musk veio de surpresa ao Brasil na semana passada e foi recebido com tapete vermelho pelos bolsonaristas, como se ele fosse um homem de bem.

Por razões financeiras, financistas e econômicas ele desceu no Aeroporto de São Roque e foi para o hotel fazenda de Porto Feliz. 

O vereador sorocabano bolsonarista, pastor da Igreja Universal, Cristiano Passos aproveitou o uso do aeroporto da cidade vizinha para lamentar que ainda não foi desatado o nó de mais de dez anos sobre a internacionalização do aeroporto local. 

O mais jovem vereador da Câmara de Sorocaba, o igualmente bolsonarista Vinícius Aith, cutucou os deputados estaduais da região que não foram recepcionar Musk, dizendo que eles perderam a oportunidade de atrair investimentos e negócios do biliardário para esta terra tropeira. Hehehe…

Certamente outros seguidores bolsonaristas fizeram urros de alegria a respeito da presença do distinto.

Lembrando que Musk disse que veio para cá para algo do tipo “interligar por computadores” as escolas da Amazônia. Ou seja, ele veio fazer outra coisa. 

E vocês, que acham que é inveja minha, um blogueiro falido financeiramente (no que vocês têm razão) compartilho a seguir uma análise de um dos acadêmicos sérios do Brasil (https://operamundi.uol.com.br/opiniao/74698/capitalismo-predatorio-feudalismo-tecnologico-e-o-fim-da-amazonia) a respeito do ilustre visitante e também de outros de seus pares. Pessoas que nos colocam novamente num feudo, similar aquele da Idade Média. Tão ruim quanto!

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CAPITALISMO PREDATÓRIO, TECNO-FEUDALISMO E O FIM DA AMAZÔNIA

Enquanto as redes sociais, de direita e de esquerda, andam às voltas com questões super relevantes como o debate de um presidenciável com um comediante, o mundo segue em frente, embora não se saiba exatamente para onde. 

Na mesma semana em que o biliardário Elon Musk veio de surpresa ao Brasil e recebeu a deferente visita do pseudo presidente da república no hotel onde estava hospedado, a Der Spiegel (O Espelho), tradicional revista do mainstream alemão, dedicou sua capa aos “Fora da Lei. O mundo feudal dos super-ricos”.

Sobre uma ilustração onde aparecem o próprio Musk, Jeff Bezos, da Amazon; dois outros megaempresários e uma influencer californiana, a revista explicita no “fio” na capa o novo fenômeno: “Super bilionários como Jeff Bezos e Elon Musk estão formando uma nova nobreza global endinheirada. Eles quase não pagam impostos e, ao mesmo tempo, sua participação na riqueza mundial está crescendo. Os políticos olham impotentes.”  E arremata com uma pergunta surpreendente dado a caráter tradicional da revista: “Estamos diante de uma nova luta de classes?” 

Interessante que a revista tenha usado a expressão “mundo feudal” quando há vários economistas e cientistas sociais debatendo, ainda num âmbito restrito, a hipótese de que já não se trate do capitalismo em sentido clássico, mas de uma outra coisa, que alguns chamam de “tecno-feudalismo”. 

Basicamente a ideia é que as mega plataformas tecnológicas estabelecem formas de dominação novas, altamente regressivas e causadoras de aprofundamento abissal das desigualdades sociais.

O mito de uma era de liberdade apoiada no acesso ilimitado à informação deu lugar a uma acumulação escandalosa de lucros, a um punhado de tecno-oligarcas que acumulam fortunas inimagináveis, a milhões de novos desempregados e a um empobrecimento brutal de enormes contingentes populacionais. A “nova economia” se transformou em patamares inéditos de dominação e desigualdade.

Sobre a rápida incursão de Musk pelo Brasil, as versões ainda estão em disputa. Segundo algumas leituras ele veio para uma reunião de empresários que teria sido sequestrada pela invasão abrupta de Bolsonaro e Fábio Faria. Aliás, a esposa de Faria, Patrícia Abravanel, não deixou por menos e chamou Musk de “o novo Noé”. 

Alguns fatos, entretanto. não dependem de versões. O primeiro é que seu Starlink não serve para o monitoramento ambiental, como deixou claro o cientista Ricardo Galvão, ex-presidente do INPE, que pediu demissão em função das pressões presidências contra a divulgação dos dados de desmatamento.

O segundo é que o Sr. Musk é aquele que, perguntado sobre a relação entre o apoio estadunidense ao golpe da Bolívia e as enormes reservas de lítio, fundamentais para o desenvolvimento dos carros elétricos de sua empresa, respondeu sem titubear: “Sim, daremos golpes onde for necessário.”

Segundo Jânio de Freitas, em matéria na Folha, repercutida em vários veículos, a versão de uma intromissão de último hora de Bolsonaro numa reunião de empresários não se sustenta porque Fabio Faria teria sido um dos articuladores da vinda desde o início.

Se o sistema de satélites de Musk não serve para monitoramento ambiental, ele pode sim ser usado para prospecção das riquezas minerais da Amazonia, o que coincide plenamente com o projeto da atual cúpula militar para a região. 

Depois das declarações do presidente, acompanhado de ministros militares, de que os acordos estavam feitos sem maiores burocracias, uma coisa é certa: o homem mais rico do mundo, segundo a última atualização da Forbes, passa a ser mais um – e que um – a ter interesse pessoal e direto em evitar uma vitória de Lula.

Dinheiro e mídia não faltarão aos generais interessados em manter o capitão amigo de milicianos como seu boneco de ventríloquo.

A Amazônia, que havia sobrevivido às tentativas de ataque de Henry Ford, com sua Fordlândia nos anos 20 e de Daniel Ludwig, com seu projeto Jari nos anos 60, dificilmente resistirá ao ataque do tecno feudalismo muskiano.

A preservação da maior floresta tropical do planeta, com seu papel crucial no equilíbrio climático e a sobrevivência do que resta das populações indígenas, dependem apenas da eleição de um candidato que tem contra si a grande mídia, o big Money brasuca, o alto oficialato militar e, para não deixar dúvida agora, o mega capital trumpista e suas maravilhosas máquinas de comunicação.

Jânio de Freitas conclui declarando saudades da Amazônia. A menos de uma vitória épica em outubro, teremos saudades do Brasil. Carlos A. Ferreira Martins é Professor Titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.

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