Pedaço de bolo 

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Não existe um pai para todos seus filhos. Melhor dizendo: É o filho quem acaba definindo o pai na relação mantida por ambos ao longo do tempo que se mantiveram juntos independentemente da distância física, metal ou afetuosa que exista entre eles. Resumindo, o pai é um, mas diferente para cada filho.

Me lembro disso hoje, pois foi no dia 1° de julho de 2000, há 24 anos portanto, que meu pai morreu. Ele se foi assim, logo que acabou a missa de sua Bodas de Ouro (ele e minha mãe haviam se casado em 1° de julho de 1950 e passaram a Lua de Mel no Rio de Janeiro, onde foram de avião, a primeira e única vez que assim viajaram).

Ele não fez todas as vontades de minha mãe, mas fez duas marcantes. Manteve-se vivo para a Bodas de Ouro. Ele havia perdido o tônus muscular, havia perdido o ânimo, havia perdido o interesse em viver dez dias antes de sua morte. Mas enquanto não teve fim a missa, um desejo enorme de minha mãe, seu coração seguiu batendo. Depois parou. E meu irmão, médico, massageou por horas seu peito na esperança de que ele voltasse a bater.

A outra vontade de minha mãe, que ele fez, está na foto que ilustra essa postagem, a da Bodas de Prata. Foi uma cerimônia na casa deles, a mesma que segue em pé na esquina da Souza Moraes com Moreira Cabral, em 1975, quando um mês antes eu havia completado 8 anos de idade. Estamos na cozinha neste clique. Não me lembro de nada. Quem foi, se houve missa, se houve discurso… Me lembro de ir de casa em casa no dia seguinte, na vizinhança, levar um pedaço de bolo, esse da foto, e dizer: Minha mãe mandou, é da Bodas de Prata dela e do meu pai. Me lembro da dona Luiza, ela era a mais alta da rua, ter me abraçado apertado, sem deixar que eu fosse embora, dito parabéns e eu retrucar: Não é meu aniversário. Ela riu e desmanchou meus cabelos quando eu ia saindo.

Hoje eu respondo a dona Luiza. Muito obrigado. Naquela época eu não sabia, mas olhando para trás mereço mesmo os parabéns, assim como cada um dos meus irmãos pela mãe e pai que tivemos.

Minha irmã publicou em sua rede social que ainda sente, 24 anos depois de sua morte, a mão de meu pai segurando a dela quando eles iam a São Paulo, o que fizeram semanalmente por 16 anos seguidos.

Meu irmão mais velho, há alguns meses, quando fomos de carro a Cerquilho, me contou o que nunca haviam me dito. Meu pai não deixou ele entrar em casa, quando ele tinha 15 anos, porque chegou em casa perto da meia-noite depois de ter ido na sessão das 19h do cinema. Era o modo dele educar. E coube à minha nonna, onde meu irmão foi pedir pouso, no dia seguinte, ter tido uma conversa séria com meu pai.

Me lembro de ter tido um colapso nervoso há 32 anos. Não foi AVC, mas perdi o movimento dos braços. Então, pela primeira vez, meu pai foi até a minha casa. Eu já era casado e tinha uma filha. Sua presença me curou. Foi como se ele dissesse: Estamos juntos. De certa forma, isso é absolutamente verdadeiro. Nem mesmo os 24 anos que se passaram desde sua morte foram suficientes para que eu o esquecesse. Não acredito que isso vá acontecer. 

Ele não foi perfeito. Duvido que tivesse essa pretensão. Ele teve falhas. Ele foi rígido. Ele esteve ausente. Mas ele foi autêntico. Trabalhou sem pensar em cansaço. Nunca faltou uma maçã, mortadela, arroz, feijão, macarrão. Ele sempre teve um olhar sobre nós. E isso faz diferença. Que todo pai tenha um olhar ao seu filho. Esse acolhimento molda o caráter da criança.

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