Ao ler a cópia de documento do Ministério Público de Sorocaba, assinado pelo promotor Orlando Bastos Filho, confesso que fiquei estupefato. Ele instaurou inquérito civil em caráter preventivo no qual recomenda aos políticos que estão saindo e aos que estão entrando nos cargos de prefeito e vereador “que se abstenham de recriar, ainda que com outra denominação, cargos iguais ou assemelhados em secretarias já existentes ou eventuais novas, àqueles extintos por força de ação direta de inconstitucionalidade”.
Diante do meu inconformismo, afirmei ao promotor: “Isso me assusta. Esse inquérito é uma antecipação de alguma decisão que não aconteceu. Seria como se o MP agisse antes de uma decisão que discorde na tentativa que não se concretize o que ele não concorda. Mas essa decisão (se é certo ou errada a ação) não cabe unicamente à Justiça? O MP, enfim, pode entender como errada a criação de cargo. O chefe do Executivo, não. É só a Justiça que pode dizer quem está correto. Você discorda do meu raciocínio?”
A princípio o promotor demonstrou irritação com minha colocação e disse: “Você não leu direito, com todo respeito, o teor da ação”.
Eu devolvi: “Me diga, por favor, do que se trata então.”
E o promotor explicou: “Duas vezes foram criados cargos inconstitucionais análogos. Já houve decisões a respeito, da justiça. Só se disse que, por orientação da própria justiça, terceira criação dos MESMOS cargos, será considerado improbidade. Sempre é melhor evitar o dano que reparar. O MP respeita a separação de poderes. Podem ser criados quantos cargos os órgãos competentes quiserem. Menos aqueles que a justiça já disse que são ilegais. Trata-se apenas de respeitar ordem judicial já dada, o que se justifica porque já ocorreu uma vez (e o TJ mandou apurar responsabilidades) porque houve anúncio nesse sentido. Ou seja, pode criar quantos cargos quiser. Está expresso que só se recomenda quantos aos julgados ou análogos (só com outro nome). Nada em relação a outras situações. A ação é só para que, se insistirem no erro, não se diga ‘eu não sabia’ dos julgados.”
Neste sentido, o inquérito do MP atende aos limites do seu universo de atuação. No máximo, caso o Crespo resolva criar os mesmos cargos, o MP poderá se antecipar dizendo que ele já sabia e arcará com as consequências de conhecimento. Caso crie outros cargos precisará saber quais são para agir. E agir é o papel do MP. Faz parte da natureza deste poder público.
Promotor é gravemente ofensivo
A você, caro leitor, que se pergunta o que leva o promotor a se preocupar com isso, ele mesmo responde no inquérito preventivo: “a sociedade não aceita e não suporta mais as chamadas ‘boquinhas’ para apaniguados (…) O futuro prefeito foi eleito em imensa coligação (…) e os aliados agora cobrarão esse apoio no mínimo com cargos”.
É uma boa iniciativa. O MP deve, mesmo, ser o paladino da justiça.
Mas convido você leitor e o promotor em particular à seguinte reflexão:
Essa ação preventiva é uma visão sobre o político brasileiro e sobre o futuro prefeito em particular que possui o promotor Orlando Bastos. Minha vivência no universo da administração pública não permite que eu julgue essa visão do promotor, mas permite que eu diga que sem pessoas de confiança o prefeito não consegue fazer chegar ao funcionário público de carreira quais são suas prioridades entre as centenas ou mais apresentadas durante a campanha eleitoral. O funcionário de confiança de qualquer prefeito eleito é fundamental para que ele consiga fazer o que planejou e isso está bastante longe de satisfazer apaniguados. No ano de 2005, eu fui por oito meses (um pouco menos ou pouco mais talvez) ocupante de cargo de confiança do prefeito Vitor Lippi (primeiramente como diretor de área e depois como secretário) e chegava para trabalhar antes das 8h e nunca ia embora antes das 21h. Posso afirmar que honrei cada centavo do dinheiro que recebia e do que foi investido nas ações que passaram pela minha mão. Por isso, respeito o que pensa o promotor, mas ele colaboraria muito mais se desse os nomes de apaniguados ao invés de falar de maneira tão genérica que apenas contribui para o descrédito que a sociedade tem em relação aos políticos. Nem na melhor das suas intenções um promotor pode jogar dúvidas no ventilador. Não estivesse há mais de dez anos longe do serviço público e eu acionaria o promotor na justiça para que ele desse os nomes dos apaniguados e se retratasse diante de tamanha ofensa, pois o que se apreende do texto do promotor é que Crespo será bandido ao criar cargo para pagar com dinheiro público favores obtidos em campanha. Definitivamente, não posso concordar com isso. Concordarei inteiramente, porém, com o MP quando ele acionar Crespo ou um indicado dele por fatos, por atos, que comprovadamente seja o pagamento de favores com o dinheiro público. De olho nos maus, o promotor é ofensivo com os bons.