É interessante perceber que muitas pessoas, principalmente aquelas que não se dizem feministas e também aquelas que não sabem muito bem o que é feminismo, criticarem Simone De Beauvoir a partir de um recorte feito pelos organizadores do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de um de suas falas (“Ninguém nasce mulher, torna-se…) a respeito da luta e conquistas das mulheres na segunda metade do século 20. A prova do Enem ocorreu no fim de semana passado
Para colaborar na confusão e distorção dessa fala, o tema da redação foi Violência contra a mulher.
Nas redes sociais choveram comentários machistas e, surpreendentemente, comentários de que o Enem teve um viés Marxista.
O que poderia se transformar em um debate interessante acaba virando uma troca de ofensas. E, igualmente surpreendente, foi a manifestação do promotor de justiça e professor universitário Jorge Alberto de Oliveira Marum do Ministério Público de Sorocaba em sua página do facebook. Ele escreveu: “Exame Nacional-Socialista da Doutrinação Sub-Marxista. Aprendem jovens: mulher não nasce mulher, nasce uma baranga francesa que não toma banho, não usa sutiã e não se depila. Só depois é convertida pelo capitalismo opressor e se torna mulher que toma banho, usa sutiã e se depila.”
Foi o que bastou. A OAB-Sorocaba está sendo cobrada para se manifestar sobre este pronunciamento. Feministas se organizam e preparam um protesto contra o promotor no Fórum da Comarca e no prédio onde funciona a promotoria e na frente da Fadi (Faculdade de Direito de Sorocaba).
A primeira providência do promotor foi tirar da sua página essa manifestação. Mas nem isso aplacou a ira de expressiva parte da sociedade e a postagem dele (que aqui replico) circula em imagem pelas redes sociais.
Diante da surpreendente manifestação, entrei em contato com o promotor dizendo que gostaria de entrevistá-lo em no programa O Deda Questão na rádio Ipanema (FM 91,1Mhz) sobre a redação do Enem, o fato do senhor ter compartilhado um link classificando o tema de marxista e a revolta que isso causou em feministas sorocabanas.
Ele me respondeu dizendo que seria um prazer esclarecer o que escrevi, porém não está em condições de ir ao estúdio e nem atender ao fone por estar dando aulas. E se manifesta: “Se lhe for útil, esclareço que fiz uma ironia, que, como você bem sabe, consiste em afirmar o contrário do que se pensa. Infelizmente, gente de má-fé, inclusive uma colega sua que sabe muito bem o que é ironia, distorceu o que eu escrevi. Estou à disposição para falar com você”. Agradeci e disse que iria informar ao ouvinte, como fiz, que conversei com o promotor que me explicou que usou a ironia. Ele me pediu parar acrescenta que “toda a minha vida profissional de 25 anos como promotor dá testemunho de que sempre estive ao lado dos mais fracos, sejam mulheres, idosos, crianças etc. Nunca aceitei a violência contra a mulher e processei muitos autores de violência doméstica”.
A verdade é que a ironia escrita exige uma capacidade de expressão do escritor muito forte e, mais ainda, do seu leitor. Na cultura da oralidade que é o Brasil, a ironia é mais perceptível e compreensível quando o autor e o receptor da ironia estão olho no olho. Confesso que entendo toda dificuldade em se perceber a ironia do promotor neste seu texto, ainda mais pelo viés ideológico que ele carrega todas as suas manifestações no facebook. Não acredito que essa sua explicação será suficiente para brecar as manifestações programadas contra ele.