Racismo na academia: relatos de ataques criminosos e conquistas

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Está em curso o inquérito aberto pelo delegado Rogério Giampaoli, da Polícia Federal de Sorocaba, para investigar o segundo caso de pichação com mensagens racistas e de morte contra alunas do campus de Sorocaba da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos.

O fato desse ano aconteceu numa das portas do banheiro feminino no prédio do Centro de Ciências Humanas e Biológicas da universidade, que já havia registrado fato semelhante em novembro de 2018. As mensagens racistas foram escritas com caneta vermelha, com letra manual, e trazem ameaças a uma jovem negra com as frases: “Sua morte está próxima”, “preta desgraçada” e “fora negros”.

O que acontece

Para ajudar na reflexão para se compreender o que significam essas agressões aos negros, eu convidei a ativista Maria Teresa Ferreira, participante de movimentos como o Momunes (Movimento de Mulheres Negras de Sorocaba) e Unegro (União de Negros pela Igualdade de Sorocaba), a se manifestar.

E ela coloca essa ação dentro de um contexto histórico importante, ressaltando as conquistas e avanços que os negros obtiveram no acesso à universidade.

Leia o que ela escreveu:

Racismo em Universidades: relatos de ataques criminosos e conquistas

Por Maria Teresa Ferreira

Penso que antes de discutir o racismo na universidade é preciso dar um passo atrás e tratar do acesso a educação como um direito historicamente negado a população negra.

Historicamente o acesso ao estudo era dado aos filhos de fazendeiros, poucos foram os negros e negras que tiveram acesso às letras. Houveram exceções, como Machado de Assis,  André Rebouças, Luís Gama, Maria Felipa de Oliveira, Maria Firmina dos Reis entre outros homens e mulheres que a história invisibizou quando não, os embranqueceu.

A histórica pouco mudou, as universidades públicas continuam sendo frequentadas pelas classes mais abastadas do país. Tomemos a USP como exemplo. A USP foi criada para ser a fábrica de pensadores da elite paulistana. Segundo dados do IBGE o percentual de negros e negras na USP ainda é de 15%, apesar de ter subido 52% em 10 anos.

Se formos pensar cronologicamente no acesso a Universidade para a população negra, essa é uma conquista relativamente nova, sendo a política de cotas uma das responsáveis pelo ingresso dessa população na comunidade acadêmica.

O racismo acabou sedimentando no  inconsciente coletivo da branquitude o sentimento de “não pertencimento” da população negra à esse lugar: a Universidade.

Os ataques racistas nas universidades ainda são o reflexo desse olhar colonizador que insiste em manter homens e mulheres, negros e negras aprionados num lugar de subalternidade.

Anterior a esse comportamento e penso seja a principal causa dele são os inúmeros obstáculos de implementação da lei 10639 (ensino da Cultura Afro Brasileira nas escolas) no âmbito Estadual e Municipal.

A história e a cultura negras têm pouco ou nenhum destaque, diferentemente da cultura européia. Em um país com 56% de população afro-descendente, quantas pessoas conhecem a rainha Nzinga, líder da libertação do reino africano Ndongo em 1660, ou Dandara, guerreira do Quilombo dos Palmares?

Essa ausência de identificação acaba gerando uma situação de sofrimento para a criança que não se reconhece e fortalece a visão hegemônica e vencedora da branquitide, agravando os conflitos no âmbito dos primeiros passos da vida escolar e que consequentemente se estendem até a Universidade.

Atitudes racistas as temos tanto nas Universidades como em creches e escolas de primeiro e segundo grau, porque esses comportamentos estão ligados ao lugar que colocamos o outro e principalmente nos parâmetros de construção da identidade que fazemos desse indivíduo. O preconceito é reproduzido nas relações entre professores e alunos e em todo sistema educacional, seja na Universidade seja na escola.

Um dos caminhos para a diminuição dessas violências raciais no âmbito educacional é trazer as contribuições da população negra nas mais variadas áreas do conhecimento, ou seja, fazer do exercício da transversalidade uma realidade.

Levar para as universidades autores negros e autoras negras, falar sobre afrocentricidade, dar visibilidade as inúmeras riquezas do continente africano e a todo conhecimento advindo do berço da humanidade.

Quando a sociedade se propor a refazer os caminhos da história do Brasil com um olhar de reconhecimento e ações concretas de reparação, certamente cessarão os atos de violência que nada mais são do que os frutos da ignorância que ainda teimam em brotar no coração dos homens.

Porém, para finalizar, também é preciso falar das conquistas da comunidade negra, apesar do racismo que encontramos na academia. Houve aumento significativo de negros e negras principalmente nas universidades. Acho interessante falar das alternativas e propostas, algumas do poder público em diminuir essas diferenças. Há vitórias, ainda que existam preconceitos e elas precisam ser celebradas e conhecida do grande público.

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