Reforma acaba com o Ensino Médio no Estadão, escola de 1928, símbolo do apogeu do otimismo pedagógico paulista

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Quem me chamou a atenção, com a carta abaixo, foi a atenta professora Myrna Atalla Senise, um dos ícones da educação sorocabana: “Caríssimos: Ninguém fará nada nesta cidade? Acabou o Ensino Médio do Estadão. Não discutirei nível de escola, necessidades pedagógicas, melhoras no ensino, contratações diferenciadas, nada disso. Falo da tradição e do respeito à cidade de Sorocaba. Ninguém pode, de cima, dizer o que é melhor para a cidade. Invadem o nosso espaço. Não respeitam os nossos direitos.Nenhum questionamento? Saudações. Myrna“.

Para entender a importância do Estadão, vale a pena conhecer o trabalho acadêmico do jornalista Júlio César Gonçalves, professor de Jornalismo, Publicidade e Propaganda da Uniso (Universidade de Sorocaba) intitulado “Entusiasmo Tardio (A história do primeiro ginásio público de Sorocaba no contexto da educação brasileira).

Resumo 

O objeto desta pesquisa é o primeiro ginásio estadual de Sorocaba, Instituto de Educação Dr. Júlio Prestes de Albuquerque, no contexto das transformações pelas quais passa o país durante a Primeira República (1891-1930). O Estadão, como a escola é conhecida, poderia ser descrito como fruto do entusiasmo pela educação, uma das duas manifestações que marcaram os debates sobre a instrução escolar brasileira nesse período e caracterizada pela crença de que somente com a disseminação de escolas seria possível incorporar mais camadas da população ao progresso nacional.  Entretanto, a escola é de 1927, quando a outra manifestação, o otimismo pedagógico, iniciava seu apogeu. A convicção de que com determinadas formulações doutrinárias sobre a escolarização seria possível formar o novo homem brasileiro, uma necessidade do emergente modelo econômico, ganhava o centro dos debates nacionais, enquanto Sorocaba, um núcleo urbano industrializado, ainda debatia a demanda por um ginásio público.

O objetivo deste estudo, assim, é compreender essa contradição a partir do estudo das transformações operadas no modo de produção da sociedade sorocabana com o início da industrialização, bem como das ingerências políticas que permearam a origem daquela escola.

 

Introdução

Fundada em 1928, a atual Escola Estadual Júlio Prestes de Albuquerque, primeiro ginásio público de Sorocaba, surgiu quando a educação brasileira começava a viver o apogeu do chamado otimismo pedagógico, período em que ganha força a convicção de ser possível formar o novo homem brasileiro a partir de uma nova doutrinação nos bancos escolares. Essa possibilidade vinha ao encontro das necessidades geradas pelas idéias urbano-industriais que ganhavam terreno na política e na economia, colocando em xeque o modelo agrícola-exportador que a República café com leite – alusão à alternância de paulistas e mineiros no poder republicano – representava muito bem.

Contudo, a fundação do “Estadão”, como a instituição é popularmente conhecida na cidade, é obra típica de outro ideal que marcou os primórdios da educação escolar brasileira no início do período republicano: o entusiasmo pela educação, crença de que somente com a disseminação de escolas seria possível incorporar mais camadas da população ao progresso nacional e que vivera seu apogeu quase uma década antes.

Esse mesmo descompasso é perceptível também no campo socioeconômico: quando a Escola Estadual Julio Prestes de Albuquerque foi implantada, o sistema de produção na economia sorocabana tinha assimilado, num processo iniciado anos antes, quase que plenamente a nova face que o capitalismo estava assumindo nos países periféricos: Sorocaba já era uma cidade industrial, com uma população expressiva, urbana, com uma burguesia estruturada, operariado organizado; enfim, reproduzia o contexto econômico sob o qual aflorou o ideário escolanovista no Brasil no início da década de 30 “A clarinada liberal precisa ser combinada com duas ordens de ocorrências. De um lado, com a passagem do sistema agrário-comercial para o sistema urbano-industrial, que se vai processando no tempo; de outro lado, rompem-se os alicerces da sociedade estamental e estruturam-se as bases de uma sociedade de classes”, observa Jorge Nagle ao analisar as correntes de idéias que caracterizaram a educação na Primeira República (Nagle, 1976: 97).

Teria a cidade que antecipou o modelo econômico assumido pelo país ficado à reboque dos debates nacionais para que a escola formasse o homem ideal para o novo modelo? Essa é a questão que se tentará responder.

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